domingo, 20 de março de 2011

A Angústia da Consciência

            No Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará, tive a felicidade de estudar com o Professor José Leite de Oliveira Júnior, que, dentre muitas idéias, sugeriu fazer um trabalho comparativo entre um personagem do Livro Gaibéus, de Alves Redol, que introduziu o Neorrealismo em Portugal e outro personagem do livro Ensaio Sobre a Cegueira, de Saramago. Naquele tempo, eu fiz o trabalho e me encantei com a idéia, a qual era fascinante, uma vez que trataria das semelhanças e diferenças entre o ceifeiro rebelde, de Gaibéus, e a mulher do médico, do livro de Saramago. A comparação se daria em torno da consciência que ambos apresentavam do ambiente no qual estavam inseridos: o ceifeiro rebelde, imerso num sistema capitalista representado pelo arrozal, em que os demais ceifeiros tinham suas vidas ceifadas pelas condições subumanas às quais estavam submetidos, para garantir apenas a sobrevivência; a mulher do médico, em um manicômio rodeada por cegos, que de tão cegos pela ambição e por sua sobrevivência começam a se impor e explorar os demais pela força, submetendo os dominados a condições igualmente humilhantes e subumanas. Ambos os personagens enxergavam claramente a situação na qual estavam irremediavelmente imersos, apenas eles tinham consciência de tal realidade. O ceifeiro rebelde ansiava por compartilhar com os demais ceifeiros a sua percepção e tirá-los da condição de alienados; enquanto que a mulher do médico fez parecer que também era cega, para se preservar, orientando os demais cegos, sem compartilhar com mais ninguém o que via no manicômio. O ceifeiro rebelde ansiava pela Revolução, a mulher do médico aparentemente queria apenas a sobrevivência.
            Mas há um drama comum aos dois personagens: o drama da consciência de um sistema que explora desumanamente o homem pelo homem, um sistema opressor, segundo o qual quem detém o instrumento de dominação, seja uma arma, seja a ideologia, seja o capital ou os meios de produção, domina e oprime aquele que não tem, que acaba por ser o mais fraco, o dependente.
            O drama de ser o único a perceber algo de "errado" no sistema, percebendo também a sua impotência diante dele. Talvez não seria melhor não enxergar, ser alienado? De que nos serve a consciência, se com elas não podemos fazer nada? Não seria menos doloroso sofrer apenas pelas nossas dores, oriundas da nossa própria busca pela sobrevivência do que sofrer pelas nossas dores e pela consciência das dores alheias. Por enxergarmos além do sofrimento alheio, na medida em que sabemos as causas desnecessárias de desumanas dele? Não seria melhor ser até ignorante das próprias dores, como faz assim a ingenuidade de muitos?
            É este o drama da consciência do qual falo, é o mesmo drama da impotência e da luta diária para não sucumbir ao sistema, para querer continuar enxergando por mais doloroso que seja ver a sujeira que existe no manicômio, não só sentir o cheiro, mas vê onde se pisa e saber que não se tem caminho melhor. Minha consciência está angustiada assim como a do ceifeiro rebelde, às vezes, é melhor nem ver, ser um alienado no sentido marxista e não se angustiar com tais questões. Porque temos o saber, não o poder, e sem poder, não entramos em conjunção com o nosso objeto de desejo, que muitas vezes se resume à simples e tão sublime DIGNIDADE, a qual não deveria ser tocada por nenhum ser humano.

Obrigada, Professor, pelas oportunidades e orientações.